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Puta não é Xingamento.
<> terça-feira, 27 de maio de 2014 // 16:01
O ato de dar a luz,
sujo e puro, pertence à mulher. Capaz de assustar ou gerar veneração, a
fertilidade sempre foi o ponto crucial de diferenciação entre os gêneros. As
deusas das sociedades matriarcais, gordas e de seios fartos,
só eram cultuadas por sua misteriosa capacidade de gerar filhos. Até que o
homem descobriu seu papel na criação e a propriedade privada surgiu, com uma nova necessidade: herdeiros. Assim o homem fez da mulher um bem.
Aí vem Gabriela, que
cheira a cravo e tem cor de canela, Gabriela que bate com os pés na areia, que
segue o ritmo. Gabriela que clama por liberdade. Liberdade que sente em seu
peito. Tem algo dentro dela que grita que amor não tem nada a ver com monogamia.
Mesmo sem bases históricas, Gabriela sabe que não é natural. A monogamia sempre
foi somente para a mulher, era a única maneira de atestar a paternidade. Com o
tempo perdeu-se o objetivo e o casamento se consolidou sem questionamentos. O
adultério, quando criminalizado, tem penas muito mais fortes para as mulheres.
Sakineh pode provar. Mesmo sem as leis da sharia, sem pedras para atirar, a consciência
coletiva aponta e exclui a mulher que trai. O homem adúltero tá apenas
cedendo aos seus instintos, afinal é normal para o patriarcado o homem ter mais desejo.
Ao dizer que
não se nasce mulher, torna-se mulher, Simone de Beavoir não intencionava incentivar
a feminilidade. Mas chamava a atenção para o fato de que as características
femininas não nascem com a mulher, são impostas a ela. Há uma grande
necessidade de diferenciar os sexos. Coisas de meninos e coisas de meninas. As
crianças crescem sendo ensinadas a se portar de acordo com um gênero.A marcha das
vadias atravessou o país e puta ainda é xingamento, a cultura do estupro bate à porta e a maioria
das mulheres a acolhe como uma velha conhecida. Lisbeth Salander, de "Os Homens que não Amavam as Mulheres", faz o papel que há muito alguns precisam ver. Uma mulher, que longe de ser fraca, se vinga de seu estuprador. Mulher, para ser mulher, não necessita representar a coitadinha, a frágil, a donzela em perigo. A opinião popular diz que a culpa é da vítima, que estava no lugar errado, na hora errada, com as roupas erradas. Mas não se preocupa em ensinar a não estuprar, se ocupa em ensinar a não ser estuprada. Porque o prazer ainda pertence ao homem, que se encontra na difícil tarefa de não ceder a ele.
O grande problema do estupro é que ele não constitui a exceção. Está enraizado na consciência coletiva. É quase normal. Estupro não é somente penetração, estupro é qualquer toque invasivo e não consentido. Se um homem obrigar sua esposa a fazer sexo ele a está estuprando. Se um pai usar de sua autoridade para tocar na filha; é estupro. Sexo não consentido é crime.
O prazer feminino renasceu com o feminismo, assim que os gemidos saíram da marginalidade. Faz pouco tempo que foi permitido à mulher ocidental sentir prazer. Sem entrar em algumas culturas orientais onde é praticada a "castração" feminina. (O clitóris é dilacerado para que a mulher não possa sentir prazer.) Mas ainda reina o velho conceito de "meninas para casar" e "meninas para pegar". Mulher que se entrega ao sexo não é confiável, muito menos aceitável para se construir uma vida junto, que dirá para parir os filhos.
A Bíblia não deixa espaço pra dúvida. Eva, pecadora, condenou todos cedendo ao seu desejo. E Maria, exemplo de virtude, dá a luz ainda virgem. Qual a mensagem que isso passa? Não sem influência da igreja, a sociedade tenta de todas as formas punir a mulher que fez sexo. Ou melhor, a mulher que gosta de sexo. Todos se sentem muito confortáveis em dar palpites na virgindade das meninas, em aconselhá-las a guardá-la e dá-la somente ao homem com quem vai se casar, porque menina de respeito é virgem. E tem de tomar cuidado, homens só querem uma coisa (encaixe aqui uma velha usando o dedo para enfatizar). Não só Estado tutela o corpo feminino proibindo o aborto e a laqueadura, como a sociedade tutela impondo regras e castigos.
Para que qualquer coisa comece a mudar, é preciso que mais pessoas se disponham a lutar por. Não é impossível, há cem anos mulheres não podiam votar! Olha o que já foi conquistado! O mundo precisa de mais Simones, mais Gabrielas e mais Lisbeths.
Autora: Júlia Orige
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Foto tirada na Marcha das Vadias 2014, em Floríanópolis. (não sei quem é o fotográfo, se souber fale) |
Puta não é Xingamento.
terça-feira, 27 de maio de 2014 // 16:01
O ato de dar a luz,
sujo e puro, pertence à mulher. Capaz de assustar ou gerar veneração, a
fertilidade sempre foi o ponto crucial de diferenciação entre os gêneros. As
deusas das sociedades matriarcais, gordas e de seios fartos,
só eram cultuadas por sua misteriosa capacidade de gerar filhos. Até que o
homem descobriu seu papel na criação e a propriedade privada surgiu, com uma nova necessidade: herdeiros. Assim o homem fez da mulher um bem.
Aí vem Gabriela, que
cheira a cravo e tem cor de canela, Gabriela que bate com os pés na areia, que
segue o ritmo. Gabriela que clama por liberdade. Liberdade que sente em seu
peito. Tem algo dentro dela que grita que amor não tem nada a ver com monogamia.
Mesmo sem bases históricas, Gabriela sabe que não é natural. A monogamia sempre
foi somente para a mulher, era a única maneira de atestar a paternidade. Com o
tempo perdeu-se o objetivo e o casamento se consolidou sem questionamentos. O
adultério, quando criminalizado, tem penas muito mais fortes para as mulheres.
Sakineh pode provar. Mesmo sem as leis da sharia, sem pedras para atirar, a consciência
coletiva aponta e exclui a mulher que trai. O homem adúltero tá apenas
cedendo aos seus instintos, afinal é normal para o patriarcado o homem ter mais desejo.
Ao dizer que
não se nasce mulher, torna-se mulher, Simone de Beavoir não intencionava incentivar
a feminilidade. Mas chamava a atenção para o fato de que as características
femininas não nascem com a mulher, são impostas a ela. Há uma grande
necessidade de diferenciar os sexos. Coisas de meninos e coisas de meninas. As
crianças crescem sendo ensinadas a se portar de acordo com um gênero.A marcha das
vadias atravessou o país e puta ainda é xingamento, a cultura do estupro bate à porta e a maioria
das mulheres a acolhe como uma velha conhecida. Lisbeth Salander, de "Os Homens que não Amavam as Mulheres", faz o papel que há muito alguns precisam ver. Uma mulher, que longe de ser fraca, se vinga de seu estuprador. Mulher, para ser mulher, não necessita representar a coitadinha, a frágil, a donzela em perigo. A opinião popular diz que a culpa é da vítima, que estava no lugar errado, na hora errada, com as roupas erradas. Mas não se preocupa em ensinar a não estuprar, se ocupa em ensinar a não ser estuprada. Porque o prazer ainda pertence ao homem, que se encontra na difícil tarefa de não ceder a ele.
O grande problema do estupro é que ele não constitui a exceção. Está enraizado na consciência coletiva. É quase normal. Estupro não é somente penetração, estupro é qualquer toque invasivo e não consentido. Se um homem obrigar sua esposa a fazer sexo ele a está estuprando. Se um pai usar de sua autoridade para tocar na filha; é estupro. Sexo não consentido é crime.
O prazer feminino renasceu com o feminismo, assim que os gemidos saíram da marginalidade. Faz pouco tempo que foi permitido à mulher ocidental sentir prazer. Sem entrar em algumas culturas orientais onde é praticada a "castração" feminina. (O clitóris é dilacerado para que a mulher não possa sentir prazer.) Mas ainda reina o velho conceito de "meninas para casar" e "meninas para pegar". Mulher que se entrega ao sexo não é confiável, muito menos aceitável para se construir uma vida junto, que dirá para parir os filhos.
A Bíblia não deixa espaço pra dúvida. Eva, pecadora, condenou todos cedendo ao seu desejo. E Maria, exemplo de virtude, dá a luz ainda virgem. Qual a mensagem que isso passa? Não sem influência da igreja, a sociedade tenta de todas as formas punir a mulher que fez sexo. Ou melhor, a mulher que gosta de sexo. Todos se sentem muito confortáveis em dar palpites na virgindade das meninas, em aconselhá-las a guardá-la e dá-la somente ao homem com quem vai se casar, porque menina de respeito é virgem. E tem de tomar cuidado, homens só querem uma coisa (encaixe aqui uma velha usando o dedo para enfatizar). Não só Estado tutela o corpo feminino proibindo o aborto e a laqueadura, como a sociedade tutela impondo regras e castigos.
Para que qualquer coisa comece a mudar, é preciso que mais pessoas se disponham a lutar por. Não é impossível, há cem anos mulheres não podiam votar! Olha o que já foi conquistado! O mundo precisa de mais Simones, mais Gabrielas e mais Lisbeths.
Autora: Júlia Orige
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Foto tirada na Marcha das Vadias 2014, em Floríanópolis. (não sei quem é o fotográfo, se souber fale) |
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Sobre
O Ensaios surgiu a partir da idéia de duas amigas que costumavam discutir filosofia e desenvolver teorias durante as madrugadas de verão: Júlia, a gêmea má e Mari, a gêmea boa. (Talvez o contrário, mas depende do seu ponto de vista) Mari e Julia são completamente opostas, e ao mesmo tempo muito parecidas e convincentes. Aqui no Ensaios, elas irão explorar todas as suas nuances e lados, ascendendo e descendendo por meio de textos, argumentos, poesias, músicas o que mais aparecer na mente das duas.
❤ Júlia Orige, 17 primaveras. Estuda Jornalismo na UFSC, é feminista e vive dançando por aí. Gosta de livros, de ballet de repertório e de escrever. Fã de George Martin, também tem uma gata malhada e peluda chamada Mia.
❤ Mari Danielski, 16 invernos. Formada em Ballet Clássico e expert em enrolar fones de ouvido. Gosta de desenhar, de filmes e de boa música. Morre de amores por elfos, tem um gato preto chamado Draco e outro laranja chamado Gimli.
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